A General
A escola cômica norte-americana do início do século XX ampliou e consolidou o cinema como a mais popular das diversões. O filme silencioso entretinha o público com a força das imagens e a alegria do movimento. A comédia antiga baseava-se na sátira de cenas do cotidiano, enfatizando lugares, objetos e situações que retratavam particularidades da vida urbana, a “civilização das máquinas”, criticando, às vezes, a realidade e recorrendo, com freqüência, ao “pastelão” ou “slapstick”. Émile Cohl, pai do desenho animado de traço moderno, introduziu a comédia de perseguição, que logo se fixou em personagens-tipos. Seu principal representante foi Max Linder, cuja elegância e espírito galante transformou-o em celebridade por volta de 1910. O genial produtor e diretor Mack Sennett impulsionou a comédia lançando talentos como Ben Turpin, Harold Lloyd, Charles Chaplin e Buster Keaton.
Joseph Francis Keaton Jr. ou Buster Keaton (1895-1966), nasceu em 04 de outubro, em Piqua, Kansas, filho dos comediantes de palco e acrobatas Joe e Myra Keaton, que faziam muito sucesso, especialmente com o renomado mágico Harry Houdini. Keaton iniciou sua carreira aos três anos de idade, fazendo números de acrobacia com seus pais. Por ser resistente aos tombos, foi apelidado, por Houdini, de “buster”, que significa “demolidor”. Por muitos anos, “Os Três Keatons”, como eram conhecidos, fizeram várias apresentações em todos os Estados Unidos. Aos 21 anos, Buster Keaton já era um veterano. Começou no cinema, em 1917, atuando no filme “The Butcher Boy”, ao lado do cômico Roscoe “Fatty” Arbuckle. Três anos depois estava produzindo e dirigindo seus próprios filmes. É considerado um gênio do cinema, se destacou por inventar um tipo inesquecível, “o cômico que nunca ri”, personificando um herói ingênuo e atrapalhado cuja fé nos valores morais e em sua própria obstinação o leva a triunfar. Fez diversos filmes, entre eles os famosos “The Three Ages” (1923), “Our Hospitality” (1923), “The Navigator” (1924), “Sherlock Jr.” (1924), “Seven Chances” (1925), “Battling Butler” (1926), “College” (1927) e “Steamboat Bill Jr.” (“Marinheiro de Encomenda”) de 1928. Mas, foi consagrado pela produção de 1927 “The General” (“A General”), onde fez a sua melhor performance como ator e diretor.
“A General” é um dos melhores filmes da era do cinema mudo e um dos mais brilhantes de todos os tempos. Com seu estilo próprio, Buster Keaton, também conhecido como “o acrobata da comédia”, criou uma obra-prima da cinematografia. Adaptou para o cinema o livro“The Great Locomotive Chase”, de William Pittinger, no qual combinou um humor inventivo com uma extraordinária ação baseada em um melodrama da vida real.
“A General” é uma invenção engenhosa, altamente elaborada, cuidadosamente planejada e fotografada, autêntica em seus detalhes e oferece um olhar fascinante sobre um episódio histórico: a Guerra Civil Americana ou Guerra de Secessão, travada durante o governo de Abraham Lincoln, no período de 1861 a 1865, entre 11 Estados do Sul (Carolina do Sul, Arkansas, Carolina do Norte, Geórgia, Flórida, Texas, Luisiana, Mississipi, Tennessee, Virgínia e Alabama), que se reuniram numa coligação independente, sob o nome de Estados Confederados da América, e os Estados e Territórios do Norte. Cerca de quatro milhões de homens participaram do conflito, cujos principais resultados foram a preservação da unidade política do país e a abolição da escravatura. As forças nortistas, também conhecidas como tropas da União, mantiveram-se fiéis aos princípios antiescravocratas defendidos por Lincoln, vencendo a guerra, em abril de 1865, depois de várias batalhas decisivas. Cerca de 650.000 americanos morreram e a economia sulista ficou arrasada. O filme foi fundamentado em um incidente ocorrido durante o conflito americano, em que uma locomotiva é roubada por soldados do exército Confederado. Contudo, Keaton decidiu mudar a versão original mostrando os soldados do exército da União como os vilões. Ele sentiu que colocando o seu herói, o maquinista, no lado perdedor faria com que a narrativa fosse mais favorável.
“A General” é uma das mais convincentes descrições da Guerra Civil jamais apresentada na tela. É um do filmes favoritos de Orson Welles e de Frederico Fellini, e, com certeza, de outros “monstros” do cinema e de muitos amantes da sétima arte. Segundo Welles “pouquíssimos filmes igualaram-se a este, nenhum que abordasse o tema. Visualmente impõe-se muitíssimo ao“ E O Vento Levou” (1939 )”. Foi, também, o projeto preferido de Buster Keaton, onde ele se entregou de coração e alma, o seu filme mais épico e, também, o mais caro. O clímax espetacular onde a locomotiva inimiga despenca de uma ponte em chamas e cai rio abaixo foi feita usando um trem real, sem os efeitos especiais sofisticados de que estamos acostumados hoje em dia. Esta, também, é considerada a cena mais cara da história do cinema mudo. Keaton era o seu próprio dublê e encantou platéias do mundo inteiro com suas “brincadeiras”. Ele construía as cenas com lentidão, meticulosidade e perfeição. Preocupado com a autenticidade, o cineasta escolheu uma locação ideal para reconstituir o cenário e usou uma ferrovia e trens antigos.
O foco principal da narrativa é a perseguição. Após uma seqüência curta de abertura, o filme se divide em duas partes: a primeira onde o maquinista Johnnie Gray (Keaton) persegue seus adversários, os soldados ianques, que seqüestram a sua locomotiva General com a sua amada Annabelle Lee (Marion Mack) dentro; e a segunda sendo perseguido por eles. No início Johnnie é tido como um covarde por seus amigos e pela bela Annabelle por não poder se alistar no exército, pois seus serviços como maquinista são mais úteis na Estação de Trem Marietta. Para salvá-la e recuperar sua máquina, Johnnie decide invadir o território oponente, depois de episódios emocionantes de criatividade, esperteza, agilidade, toques de ironia e sorte, ele resgata suas duas paixões, luta na batalha e torna-se o super-homem da cidade.
Cenas memoráveis como quando Johnnie tenta utilizar um canhão duas vezes, mas não consegue acertar o alvo; a que ele encontra o esconderijo secreto dos vilões, se esconde embaixo de uma mesa, na sala de jantar, e acaba descobrindo o plano de ataque dos oficiais da União; a que ele coloca Annabelle dentro de um saco e esconde-a em um vagão de carga, no mesmo local em que os soldados do norte depositavam os suprimentos para o ataque. Há, também, a emocionante cena da travessia do trem inimigo na ponte que divide as duas fronteiras, onde o teimoso comandante decide que a mesma não está queimando o suficiente para impedir a máquina de continuar. A batalha entre as duas legiões é vibrante, o herói se atrapalha com sua espada, mas, juntamente com seus companheiros, é vitorioso. E o final, quando Johnnie é finalmente alistado e recebe a ocupação de soldado, encontra Annabelle, os dois sentam-se na locomotiva General, mas sempre que ele tenta beijá-la, os recrutas passam por eles saudando-os, é então que Johnnie decide mudar de posição e passa a beijar o seu amor e a bater continência ao mesmo tempo. É quase impossível descrever cada cena, muitas delas parecem improvisadas. Keaton tinha uma naturalidade nata, sabia trabalhar muito bem suas piadas. Sua agilidade em desenvolver as cenas e seu toque de humor é imbatível. Não há dúvida de que ele expressou seus sentimentos mais profundos para criar o personagem Johnnie.
Assisti “A General”, pela primeira vez, na infância, quando costumava freqüentar as matineés de domingo. Lembro-me da fascinação que as antigas comédias me exerciam. Sentia-me como se fosse transportada para um mundo mágico cheio de sonhos, fantasias e aventuras, onde o impossível sempre acontecia. Eu o considero um dos maiores tesouros da arte cinematográfica. É um filme envolvente e dinâmico que nos motiva a revê-lo muitas vezes e a indicá-lo aos amigos e conhecidos. É um clássico imprescindível em qualquer época.
Ficha Técnica:
A General
The General
Data de Lançamento: 5 de fevereiro de 1927. Duração: 75 minutos.
Apresentado por: Buster Keaton Productions
Distribuído por: United Artists
Produtor: Joseph M. Schenck
Diretores: Buster Keaton and Clyde Bruckman
Roteiro: Buster Keaton and Clyde Bruckman, baseado no livro The Great Locomotive Chase de William Pittinger, adaptação de Al Boasberg e Charles Smith
Fotografia: Dev Jennings and Bert Haines
Diretor Técnico: Fred Gabourie
Eletricista: Denver Harmon
Vestuário e Maquiagem: Bennie Hubbel, J.K. Pitcairn, e Fred C. Ryle
Editores: J. Sherman Kell and Buster Keaton
Elenco:
Buster Keaton: Johnnie Gray
Marion Mack: Annabelle Lee
Glen Cavender: Captain Anderson
Jim Farley: General Thatcher
Frederick Vroom: A Southern General
Charles Smith: Mr. Lee
Frank Barnes: His Son
Frank Hagney: Recruiter
Edward Hearn: Union Officer
Joe Keaton: Union General
Mike Donlin: Union General
Tom Nawn: Union General
Ray Thomas, Cud Fine, Jimmy Bryant, Red Rial, Ross McCutcheon, Red Thompson, Ray Hanford, Charles Phillips, Al Hanson, Tom Moran, Anthony Harvey: Raiders
* Claudia Farias ( Claudia Albuquerque Farias) é Pedagoga, com especialização em Educação Ambiental, estudante de Jornalismo da Universidade Potiguar – UNP e crítica de cinema. Escreve para o jornal eletrônico www.natalpress.com e para a Revista Natal Noite & Dia. Escreveu, em 2003, um artigo sobre o Filme “Shane” ou “Os Brutos também Amam”, que foi publicado no jornal The Tatler, no Condado de Tipperary, República da Irlanda.