"O namoro do Chico  Buarque com a cantora ruiva Thais Gulin rendeu para nós este primor de  blues  ESSA PEQUENA, cuja letra vai aí abaixo. Mas rendeu também a  interessante crônica UM TEMPO SEM NOME da escritora Rosiska Darcy de  Oliveira sobre “o novo conceito de envelhecer”.  Também segue abaixo.  
Abração"
Claudete
Claudete
| "Essa Pequena Meu tempo é curto, o tempo dela sobra Meu cabelo é cinza, o dela é cor de abóbora Temo que não dure muito a nossa novela, mas Eu sou tão feliz com ela Meu dia voa e ela não acorda Vou até a esquina, ela quer ir para a Flórida Acho que nem sei direito o que é que ela fala, mas Não canso de contemplá-la Feito avarento, conto os meus minutos Cada segundo que se esvai Cuidando dela, que anda noutro mundo Ela que esbanja suas horas ao vento, ai Às vezes ela pinta a boca e sai Fique à vontade, eu digo, take your time Sinto que ainda vou penar com essa pequena, mas O blues já valeu a pena" Um tempo sem nome Rosiska Darcy de Oliveira, O Globo, 21/01/12 "Com  seu cabelo cinza, rugas novas e os mesmos olhos verdes, cantando  madrigais para a moça do cabelo cor de abóbora, Chico Buarque de Holanda  vai bater de frente com as patrulhas do senso comum. Elas torcem o  nariz para mais essa audácia do trovador. O casal cinza e cor de abóbora  segue seu caminho e tomara que ele continue cantando “eu sou tão feliz  com ela” sem encontrar resposta ao “que será que dá dentro da gente que  não devia”. Afinal,  é o olhar estrangeiro que nos faz estrangeiros a nós mesmos e cria os  interditos que balizam o que supostamente é ou deixa de ser adequado a  uma faixa etária. O olhar alheio é mais cruel que a decadência das  formas. É ele que mina a autoimagem, que nos constitui como velhos,  desconhece e, de certa forma, proíbe a verdade de um corpo sujeito à  impiedade dos anos sem que envelheça o alumbramento diante da vida . Proust,  que de gente entendia como ninguém, descreve o envelhecer como o mais  abstrato dos sentimentos humanos. O príncipe Fabrizio Salinas, o  Leopardo criado por Tommasi di Lampedusa, não ouvia o barulho dos grãos  de areia que escorrem na ampulheta. Não fora o entorno e seus espelhos,  netos que nascem, amigos que morrem, não fosse o tempo “um senhor tão  bonito quanto a cara do meu filho“, segundo Caetano, quem, por si mesmo,  se perceberia envelhecer? Morreríamos nos acreditando jovens como  sempre fomos. A  vida sobrepõe uma série de experiências que não se anulam, ao  contrário, se mesclam e compõem uma identidade. O idoso não anula dentro  de si a criança e o adolescente, todos reais e atuais, fantasmas  saudosos de um corpo que os acolhia, hoje inquilinos de uma pele em que  não se reconhecem. E, se é verdade que o envelhecer é um fato e uma  foto, é também verdade que quem não se reconhece na foto, se reconhece  na memória e no frescor das emoções que persistem. É assim que,  vulcânica, a adolescência pode brotar em um homem ou uma mulher de  meia-idade, fazendo projetos que mal cabem em uma vida inteira. Essa  doce liberdade de se reinventar a cada dia poderia prescindir do  esforço patético de camuflar com cirurgias e botoxes — obras na casa  demolida — a inexorável escultura do tempo. O medo pânico de envelhecer,  que fez da cirurgia estética um próspero campo da medicina e de uma  vendedora de cosméticos a mulher mais rica do mundo, se explica  justamente pela depreciação cultural e social que o avançar na idade provoca. Ninguém  quer parecer idoso, já que ser idoso está associado a uma sequência de  perdas que começam com a da beleza e a da saúde. Verdadeira até então,  essa depreciação vai sendo desmentida por uma saudável evolução das  mentalidades: a velhice não é mais o que era antes. Nem é mais quando  era antes. Os dois ritos de passagem que a anunciavam, o fim do trabalho e da libido, estão, ambos, perdendo autoridade. Quem  se aposenta continua a viver em um mundo irreconhecível que propõe  novos interesses e atividades. A curiosidade se aguça na medida em que  se é desafiado por bem mais que o tradicional choque de gerações com  seus conflitos e desentendimentos. Uma verdadeira mudança de era nos leva de roldão, oferecendo-nos ao mesmo tempo o privilégio e o susto de dela participar. A  libido, seja por uma maior liberalização dos costumes, seja por  progressos da medicina, reclama seus direitos na terceira idade com uma  naturalidade que em outros tempos já foi chamada de despudor. Esmaece a  fronteira entre as fases da vida. É o conceito de velhice que envelhece.  Envelhecer como sinônimo de decadência deixou de ser uma profecia que  se autorrealiza. Sem, no entanto, impedir a lucidez sobre o desfecho. ”Meu  tempo é curto e o tempo dela sobra”, lamenta-se o trovador, que não  ignora a traição que nosso corpo nos reserva. Nosso melhor amigo, que  conhecemos melhor que nossa própria alma, companheiro dos maiores  prazeres, um dia nos trairá, adverte o imperador Adriano em suas  memórias escritas por Marguerite Yourcenar. Todos  os corpos são traidores. Essa traição, incontornável, que não é segredo  para ninguém, não justifica transformar nossos dias em sala de espera,  espectadores conformados e passivos da degradação das células e dos  projetos de futuro, aguardando o dia da traição.Chico,  à beira dos setenta anos, criando com brilho, ora literatura , ora  música, cantando um novo amor, é a quintessência desse fenômeno,  um tempo da vida que não se parece em nada com o que um dia se chamou  de velhice. Esse tempo ainda não encontrou seu nome. Por enquanto  podemos chamá-lo apenas de vida." ROSISKA DARCY DE OLIVEIRA é escritora.  Dica do Claudete | 

 
 
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