sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

O amor dura se não houver muita dura!

O amor dura... se não houver muita dura!
Carlos Kurare

Maria Gadú - Altar Particular


A coragem do amor que dura
Contardo Calligaris
Folha de S.Paulo, 27.5.2010

Quando amo, consigo olhar o mundo por duas janelas que não se confundem, a
minha e a do ser amado
Prolongando minhas observações da semana passada sobre "Quincas Berro d'Água",
vários leitores e leitoras observaram que a literatura e o cinema, em geral, glorificam a
coragem de quem, um belo dia, chuta o balde e vai embora.
E como ficam os que passam a vida inteira deslocando o balde para estancar as
goteiras? Será que eles são todos covardes e acomodados?
É inegável: nossa cultura idealiza a ruptura, a aventura, a saída para o mar aberto. Em
matéria amorosa, o momento que preferimos contar é a hora do apaixonamento.
Depois disso, gostamos de imaginar que "eles viveram felizes para sem pre", mas sem
entrar em detalhes que poderiam transformar a história numa farsa.
Uma boa solução, aliás, é que os amantes morram logo. O sumiço (de ambos ou de um
dos dois) evita que a comédia da vida que levariam juntos contamine a apoteose do
encontro inicial. Os amantes ideais são os que não duraram no tempo: Romeu e Julieta,
o jovem Werther e Charlotte, Tristão e Isolda.
Concluir o quê? Que a coragem é sempre a de quem deixa a mornidão de seu conforto
para se queimar num instante de paixão? Será que não pode haver coragem nos
esforços para que o amor dure?
É óbvio que a duração não é um valor em si: uma relação pode durar a vida inteira e
ser uma longa e insulsa experiência repetitiva, sem amor algum. Mas, inversamente,
será que as paixões-relâmpago são amores? Enfim, seria útil dispor de uma definição
do amor.
Justamente, li nestes dias um livro que me tocou, "Éloge de l'Amour" (elogio do amor,
Flammarion 2009, ainda não traduzido para o português), de Alain Badiou; é a
transcrição de uma breve entrevista do filósofo francês.
Nela, inevitavelmente, Badiou constata que, em nossa cultura, a visão dominante do
amor é a de uma espécie de "heroísmo da fusão" dos amantes, que, uma vez
consumidos por sua paixão, podem sair de cena (para não se tornar ridículos) ou sair
do mundo e morrer (para se tornar sublimes).

Contra essa visão, Badiou define o amor mais como um percurso do que como um
acontecimento: segundo ele, o amor precisa durar um tempo porque é "uma
construção".
Confesso que fiquei com medo de que o filósofo nos propusesse amores tagarelas, em
que os amantes não parariam de discutir a relação (claro, para construí-la). Por sorte,
não se trata disso. Então, o que constroem os amantes?
Geralmente, explica Badiou, minha experiência do mundo é organizada por minha
vontade de sobreviver e por meu interesse particular: vejo o mundo só de minha janela.
Certo, ao redor de mim, há muitos outros de quem gosto e aos quais reconheço o
direito de também sobreviver e promover seus interesses.
Mas o fato de eu respeitar esses meus semelhantes não muda em nada meu ângulo de
visão. É só quando amo que consigo olhar, ao mesmo tempo, por duas janelas que não
se confundem, a minha e a de meu amado. A estranha experiência ótica faz com que os
amantes reconstruam o mundo, enxergando coisas que ficam escondidas para quem só
sabe olhar por uma janela.
Entende-se que o amor assim definido exija tempo. Quanto tempo? Um mês, um ano,
uma vida, tanto faz. Consumir-se na paixão pode ser rápido, mas reinventar o mundo a
dois é uma tarefa de fôlego.
O amor segundo Badiou, em suma, é uma aventura, mas que precisa ser obstinada:
"Abandonar a empreitada ao primeiro obstáculo, à primeira divergência séria ou aos
primeiros problemas é uma desfiguração do amor. Um amor verdadeiro é o que triunfa
duravelmente, às vezes duramente, dos obstáculos que o espaço, o mundo e o tempo
lhe propõem".
Você aprecia a definição, mas a acha um pouco abstrata? Gostaria da história de um
amor que dura e se obstina sem se tornar pesadelo ou farsa? Pois bem, acabo de ler um
texto comovedor, bonito e capaz de ilustrar e explicar perfeitamente as palavras de
Badiou.
Em "Amar o Que É: Um Casamento Transformado" (Objetiva), Alix Kates Shulman
conta como ela e Scott, o marido, reinventaram o mundo, a dois, obstinadamente,
depois de um acidente que precipitou Scott numa forma de demência.
Há momentos difíceis, sacrifícios e durezas, mas, curiosamente, o relato não chega
nunca a ser triste porque se trata de uma extraordinária história de amor.

Dica da Cristina do Tapete Mágico 

Altar Particular

Maria Gadú

Composição: Maria Gadú
Meu bem que hoje me pede pra apagar a luz
E pôs meu frágil coração na cruz
No teu penoso altar particular
Sei lá, a tua ausência me causou o caos
No breu de hoje eu sinto que
O tempo da cura tornou a tristeza normal
E então, tu tome tento com meu coração
Não deixe ele vir na solidão
Encabulado por voltar a sós
Depois, que o que é confuso te deixar sorrir
Tu me devolva o que tirou daqui
Que o meu peito se abre e desata os nós
Se enfim, você um dia resolver mudar
Tirar meu pobre coração do altar
Me devolver, como se deve ser
Ou então, dizer que dele resolveu cuidar
Tirar da cruz e o canonizar
Digo faço melhor do que lhe parecer
Teu cais deve ficar em algum lugar assim
Tão longe quanto eu possa ver de mim
Onde ancoraste teu veleiro em flor
Sem mais, a vida vai passando no vazio
Estou com tudo a flutuar no rio esperando a resposta ao que chamo de amor


4 comentários:

Anônimo disse...

wonderful post indeed!!!

this is for you with a :)

History of the Night

Throughout the course of the generations
men constructed the night.
At first she was blindness;
thorns raking bare feet,
fear of wolves.
We shall never know who forged the word
for the interval of shadow
dividing the two twilights;
we shall never know in what age it came to mean
the starry hours.
Others created the myth.
They made her the mother of the unruffled Fates
that spin our destiny,
thev sacrificed black ewes to her, and the cock
who crows his own death.
The Chaldeans assigned to her twelve houses;
to Zeno, infinite words.
She took shape from Latin hexameters
and the terror of Pascal.
Luis de Leon saw in her the homeland
of his stricken soul.
Now we feel her to be inexhuastible
like an ancient wine
and no one can gaze on her without vertigo
and time has charged her with eternity.

And to think that she wouldn't exist
except for those fragile instruments, the eyes.

Jorge Luis Borges

Luciana disse...

Lindo texto de Calligaris, linda música de Gadú,a quem admiro tanto, fazia tempo eu não lia coisas tão sábias...e que aprendamos com essas palavras...
Muito legal Carlos. Abraço. Lu

Isabel_Alvarenga disse...

Gosto de ler sobre o amor... gosto de escrever sobre o amor... gosto de sentir amor... mesmo que seja platônico, solitário ou misturado com saudade... o importante é deixá-lo disponivel em nosso coração, como fruto silvestre: lindo e doce a espera de alguém que queira desfrutá-lo...Bjsssssssss

Carlos Kurare disse...

Meninas,

Obrigado e um grande beijo para vocês!
Carlos Kurare

Girls

Thanks and a big kiss for you!

Carlos Kurare

Um olhar olhar mais atento...

Quer me conhecer, faça-o com a devida calma. Para saber quem sou de fato Observe de mim cada ato,  pois as minhas atitudes, são ...