segunda-feira, 23 de julho de 2012

Sacrifício

Bom senso e canja de galinha não fazem mal a ninguém! Né não?
Morrer por uma paixão impossível é prova banal de covardia. 
Os fracos quedam-se! Os fortes... seguem em frente!
Carlos Kurare

SEGUNDO ALTAR

Fabrício Carpinejar

Não tenho nenhuma compaixão por Romeu e Julieta.

Eles não experimentaram nenhuma crise de relacionamento antes do fim.

Nenhuma discussão no trânsito. Uma briguinha para quem iria se levantar para chavear a porta. Não reclamaram dos excessos, da bagunça do quarto ou por voltar tarde e não ser delicado entre amigos. Não provaram do veneno dos costumes, do terror de se entregar demais e perder a cabeça, ou do pudor de se entregar de menos e se afastar.

Conheceram o ímpeto do amor, não o amor.

Não descobriram a medida, o equilíbrio exato de dois corpos, que demora anos de convivência para aparecer.

Para mim, Romeu e Julieta continua sendo apenas um bom charuto.

Mas estrago meu rímel natural com casais que morrem juntos na velhice. Esfolo os joelhos do rosto. Sangro os lábios.

Depois de meio século de vida em comum, um não sobrevive à morte de sua companhia. Desistem. Perdem o sentido de respirar com o enterro da esposa ou do marido. Ficam emparedados pelo passado. A cozinha não terá saída; o quarto não terá lado; a sala não terá janela; a manhã não terá a companhia do café e da leiteira fervendo.

A casa que mais adorava em minha rua José Bonifácio terminou destruída. Residência antiga de dois andares, verde como um pinheiro no alto da montanha, desfrutando inclusive de água-furtada. É agora um poço de ruínas, paredes fatiadas, escombros e uma estranha mesinha para aves descansarem da fartura dos farelos. Não duvido que seja transformada em mais um estacionamento.

Meu filho passa pelo terreno minado com o olhar arrastado, antes recebia balas e brincadeiras de seus moradores Sady e Heidi, que cuidavam com capricho do jardim, dispondo anões e bichos de pedra pelas roseiras. Os dois viveram sessenta anos de casamento. Quando Heidi faleceu neste ano, Sady não durou cinco dias. Seu espírito altivo, lépido e incansável, de quem se acordava às 6h e saracoteava pela cidade, apagou-se repentinamente. A carne cedeu, o rosto murchou, ele adoeceu de ausência. Ambos cumpriram um pacto de vida mais do que de morte. Não admitiram a distância dos sete dias da missa - era muito longe. Não admitiram o aparte de uma semana - era muito tempo. Embarcaram no invisível de ombros dados. Heidi nem entrou no paraíso, esperou na porta seu marido, como se fosse um segundo altar.

O mesmo posso falar de Stella e Dorival Caymmi. Stela deixou a cena 11 dias após a despedida de Dorival. Foram casados durante 68 anos. Dorival morreu porque Stella baixou o hospital em estado grave. Stella morreu quando soube (pela intuição que só os pares de dança têm) que Dorival guardou sua voz no estojo. Um dependia do outro.

Não aceitaram a viuvez. A viuvez era também uma infidelidade. Uma traição ao casamento. Mostraram a Deus que não é ele que manda aqui, ajuda ou atrapalha, não manda. O livre-arbítrio é da lealdade. Escolher a hora de pôr a aliança, e escolher a hora de se pôr na aliança.
Fonte: http://www.fabriciocarpinejar.blogger.com.br/2008_08_01_archive.html
Dica da Luna - Brasília - DF


Marisa Monte & Cesária Évora - É Doce Morrer no Mar - Música de Dorival Caymmi


Ouça na voz maravilhosa do Caymmi: autor e intérprete desta beleza sem igual. No vídeo criador e criatura se encontram.
Saudades meu velho!
Kurare


Dorival Caymmi - É doce morrer no mar (1959)

Um comentário:

Lina Maria disse...

"Escolher a hora de pôr a aliança, e escolher a hora de se pôr na aliança."
Que coisa mais linda, isso!!!!

Ontem eu andava de bicicleta em Copacabana e observava, como sempre faço,
as pessoas.Vi um casal de idosos de mãos dadas, andando com uma certa dificuldade;
deviam beirar seus noventa anos.
Meu pensamento foi longe...
O pano de fundo desta viagem que fiz foi o mar.
Dividir uma vida inteira com quem te emociona dia a dia,
ver uma existência falecer junto de seu amado.
Viver um amor de verdade, onde dois são um, no olhar que conversa;
no toque que acalenta a alma;
na voz doce da madrugada, acelerando o coração...
Canção triste, poeta, esta que você escolheu;
dá uma vontade de chorar ao ouvi-la.
Fiquei triste, não quero escrever mais.
Abraços

Um olhar olhar mais atento...

Quer me conhecer, faça-o com a devida calma. Para saber quem sou de fato Observe de mim cada ato,  pois as minhas atitudes, são ...